Em um encontro exclusivo com investidores promovido nesta quarta-feira (23) pela consultoria Greener, especialistas do setor elétrico discutiram os principais entraves para a expansão da geração centralizada de energia no Brasil.
No centro do debate, o fenômeno do curtailment — corte na geração de usinas renováveis por excesso de oferta — foi apontado como um dos principais freios ao avanço de novos projetos no país.
Com a crescente inserção de fontes renováveis intermitentes, como solar e eólica, o setor tem enfrentado um descomo entre a oferta de energia e a demanda em determinados períodos do dia, principalmente nos fins de semana.
Esse desequilíbrio tem levado o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) a adotar medidas de contenção, forçando a redução da geração para preservar a estabilidade da rede. Para os investidores, esse cenário tem gerado incertezas e levado muitos empreendedores a adotar uma postura mais cautelosa.
As principais motivações para o curtailment são divididas da seguinte forma: 40,6% por razões energéticas, 36,9% por confiabilidade e 22,6% por indisponibilidade. As questões energéticas ocorrem principalmente nos finais de semana, enquanto os fatores de confiabilidade predominam nos dias úteis.
Durante o , Alexandre Oliveira, Renewable Energy Manager da Eneva, destacou que o avanço da geração centralizada precisa ser orientado por critérios de flexibilidade e qualidade. Para ele, a resolução do problema do curtailment será decisiva para a retomada de novos aportes no segmento.
Os principais impactos do curtailment são sentidos pelos geradores, o que resulta em uma elevada percepção de risco para novos projetos. Algumas possíveis soluções incluem a gestão de contratos, modelagens mais sofisticadas e o uso de sistemas de armazenamento de energia (BESS).
O ONS, segundo os debatedores, já vem realizando estudos e ajustes operacionais para lidar com esse novo cenário. Segundo Ricardo Costa, diretor de Inteligência de Produtos e Regulação da Matrix, após o apagão ocorrido em 15 de agosto 2023, atribuído à geração excessiva e não à carga — como era mais comum —, o operador aumentou os critérios de segurança do sistema elétrico causando a redução de cerca de 3 GW de potência injetada pelas usinas renováveis para garantir sua sustentação. Estão em andamento revisões nos critérios de segurança e avaliações técnicas das usinas atualmente conectadas à rede.
Uma das frentes apontadas como promissoras para mitigar os efeitos do curtailment é o uso de tecnologias de armazenamento de energia. Oliveira defendeu que as baterias oferecem uma flexibilidade especialmente no atendimento às variações intradiárias de carga. Para que o armazenamento avance de forma sustentável, é preciso adotar modelos que priorizem a modicidade tarifária e a concorrência qualificada.
Costa acrescentou que a Matrix, em parceria com a Huawei e o ONS, está conduzindo testes em ambiente regulatório experimental (sandbox) com tecnologias como grid forming, inércia virtual e microrredes. A intenção é simular os atributos técnicos dessas soluções e estruturar uma nova fase de serviços ao sistema, de forma mais eficiente e segura.
Na avaliação dos participantes, os leilões de capacidade serão peças-chave para destravar investimentos e garantir a expansão do parque gerador com segurança. A expectativa é de que o governo avance com o leilão de térmicas ainda este ano, embora a ANEEL sinalize que o processo regulatório pode inviabilizar essa realização no curto prazo. Já o leilão de armazenamento tende a ocorrer em 2026, com boas chances de ser realizado no primeiro semestre, segundo estimativas dos debatedores.
A leitura dos especialistas é que, com as mudanças em curso no mercado e a crescente demanda por resiliência por parte dos investidores, os próximos certames devem priorizar tecnologias mais flexíveis e sustentáveis. A oportunidade, conforme eles, está na construção de um novo mercado de capacidade — tanto térmica quanto de baterias — mais maduro e orientado pela eficiência econômica.
O encontro promovido pela Greener evidenciou a necessidade de alinhar planejamento, regulação e inovação tecnológica para enfrentar os desafios do setor. A superação do curtailment a por um esforço coordenado entre governo, investidores e operadores, com foco na segurança energética e na modicidade tarifária para o consumidor.
Visão de futuro e equilíbrio para o setor elétrico
Segundo Márcio Takata, diretor da Greener, o evento superou as expectativas ao promover uma discussão aprofundada sobre os desafios e oportunidades da geração centralizada.
“A proposta era apresentar um panorama atualizado do mercado, com indicadores de evolução e cenários para a geração centralizada — segmento que enfrenta um momento particularmente desafiador”, apontou.
“O que mais nos surpreendeu foi a qualidade do debate, que se concentrou não apenas nas dificuldades atuais, como o curtailment, mas também nas possibilidades de futuro. Falamos sobre caminhos alternativos, soluções tecnológicas e formas de mitigar os efeitos colaterais da expansão da energia solar”, ressaltou o executivo.
Conforme ele, o encontro foi extremamente positivo nesse sentido, pois permitiu discutir, de forma construtiva, os próximos os para tornar o setor mais equilibrado. “A visão que defendo para os próximos anos vai além da simples geração de energia: precisamos falar de equilíbrio, capacidade e flexibilidade. Essa será, cada vez mais, a equação central do setor”, concluiu.
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